Ela sentia um pedacinho do inferno queimando dentro de si. Era a pior sensação que poderia sentir, mas estava decidida: não extrairia aquele ser do seu interior. Aquilo era, apesar de tudo, uma vida. Que pulsava lá dentro, mesmo que ainda não fosse perceptível aos demais. Uma vida asquerosa, vil, indesejada. Só traria dor e sofrimento ao irromper de suas entranhas.
_Não! Embora a desgraça seja explícita, é loucura pensar assim! Sou fiel à minha tradição e jamais recorrerei a uma atrocidade para solucionar meus problemas.
Porém, a cada mês, a cada semana, a cada minuto que passava ela percebia que o demônio se apoderava de seu ventre. Estava obcecada. Não encontraria paz enquanto não expelisse aquela maldição.
Um emaranhado de pensamentos malignos a atormentava. A força que a mantinha firme em seu propósito e que não permitiria que ela cedesse era a crença naquilo que outrora aprendera. A vida é um dom de Deus. Em hipótese alguma poderia interromper aquele processo angustiante.
Mas o tempo passou e já não podia mais mudar de opinião. E a angústia apenas aumentava, chegando ao ponto de se tornar praticamente insuportável. Podia jurar que, inevitavelmente, exalava um odor de enxofre.
E, ao chegar o momento tão esperado, contorcia seu corpo tamanha era a dor que sentia. Parecia que aquela vida permaneceria ali, impregnada, e não a deixaria nunca, jamais! Era um castigo eterno. E, mesmo com toda a força que exercia para expulsar o agente maléfico, tinha a nítida percepção de que aquilo não era um parto, e sim o extirpar de um órgão seu.
No limiar da morte, no momento em que se entregava ao desconhecido, surge um anjo. E à realidade a traz de volta. E ela já não mais sofreria. Nunca mais. Aquele anjo, apesar de ser o fruto de uma tragédia, traria a ela a felicidade que nunca imaginou alcançar em sua vida. E a sensação equivocada de que daria à luz um monstro era, na verdade, o trauma de um covarde estupro.
Vinte e dois anos após, aquele anjo, por ser o único doador compatível, e com um amor incomensurável, entregaria um de seus rins para sua adorada mãe. Seria mera coincidência ou ironia do destino?
Deleir Inácio de Assis
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